Raio-X mostra que jovem atingido por bala perdida escapou de tiro no cérebro; neurologista explica os motivos

Raio-X mostra que jovem atingido por bala perdida escapou de tiro no cérebro; neurologista explica os motivos

Um exame de imagem de João Pedro Silva Correia, jovem atingido por um tiro de raspão em Santos (SP), mostra o quão próximo o disparo chegou da região do cérebro dele. Segundo a mãe, o médico que atendeu o filho disse que milímetros separaram a bala da massa encefálica. Neurologistas ouvidos pelo 1g analisaram o caso, pontuando possíveis causas para o tiro não penetrar na cavidade craniana, o espaço dentro do crânio que acomoda o cérebro.

Professor de teatro, João foi baleado após sair para passear com dois cães na rua de casa no bairro Rádio Clube. De acordo com o boletim de ocorrência, o tiroteio começou após três criminosos dispararam na direção de policiais militares que tentavam abordar um motociclista.

Uma tomografia computadorizada mostra que o tiro rasgou a pele (área cinza) do professor, mas não chegou a causar estragos no crânio (área branca) que protege o cérebro (veja abaixo).

De acordo com a mãe do paciente, Marta Cristina da Silva Lima, o filho precisou levaroito pontos.“O projétil rasgou o couro cabeludo do João”, relembrou. O médico, segundo ele, explicou que o jovem teve uma hemorragia, mas que foi controlada sem intervenção cirúrgica.

Segundo o neurocirurgião André Luís Domingues Costa, a lesão pode ter sido causada pela energia cinética da bala. Isso porque qualquer batida causa uma onda de choque. “Essa onda de choque atinge o cérebro também, em grau pequeno ou alto, vai depender do impacto da bala. E, com isso, ele promoveu uma pequena contusão”.

O especialista afirmou que o procedimento cirúrgico seria indicado caso o projétil estivesse alojado na região intracraniana. “Teria que fazer uma limpeza cirúrgica para evitar o máximo possível uma infecção”, explicou. Para ele, algumas hipóteses, isoladas ou combinadas, podemjustificar o fato de a bala não ter penetrado em João:

  • Calibre e tipo de munição: o calibre do projétil e o tipo de munição (de ponta oca ou de metal sólido) influenciam a capacidade de penetração. Projeteis de menor calibre ou com características específicas podem não ter energia suficiente para penetrar o crânio;
  • Ângulo de impacto: se o projétil atinge o crânio em um ângulo oblíquo, a energia pode ser dispersa ao longo da superfície do crânio, reduzindo a capacidade de penetração;
  • Energia do projétil: a energia cinética do projétil depende da velocidade e da massa. Por isso, pode ser insuficiente para superar a resistência do osso craniano. Projéteis com velocidade reduzida ou com impacto não-direto podem não penetrar;
  • Características do crânio: a espessura e a densidade do osso craniano variam entre indivíduos e podem influenciar a penetração. Em algumas pessoas, o crânio pode ser mais espesso ou ter características que tornam mais difícil a penetração;
  • Deformação do projétil: o projétil pode se deformar ao atingir o crânio, dissipando parte de sua energia e impedindo a penetração;
  • Qualidade da arma e munição: armas defeituosas ou munições de baixa qualidade podem não fornecer a energia necessária para a penetração.

Perda de memória

De acordo com a mãe, João conversou com ela após ser baleado. No entanto, agoraperdeu a memória do dia em que foi atingido. “Ao conversarmos com ele, não se lembra de nada, só de ter saído com as cachorras“, afirmou Marta.

A neurologista Andrea Anacleto informou que é comum um paciente perder a memória após uma situação traumática. “Esse tipo de amnésia é conhecido comoamnésia retrógrada (perda de memória de eventos que ocorreram antes do trauma) ou amnésia anterógrada (dificuldade em formar novas memórias após o trauma)”, explicou.

Para o neurocirurgião André Luís, o esquecimento de João pode ser reflexo de uma proteção criada pelo próprio cérebro para ele mesmo. “Desliga para que não ocorra maiores danos. Então, por exemplo, ele poupa energia, poupa células para que, caso precise no futuro, elas estão poupadas para a realização. Então, por isso que cria essa lacuna de memória no momento do trauma”, disse.

No entanto, a neurologista Andrea Anacleto citou outros fatores que podem influenciar na perda de memória de pacientes:

  • Lesão cerebral direta: um impacto ou ferida na cabeça pode danificar áreas do cérebro responsáveis pela memória, como o hipocampo ou o lobo temporal;
  • Estresse psicológico extremo: sem uma lesão física, o estresse emocional intenso pode causar uma forma de amnésia dissociativa, onde a mente bloqueia as memórias relacionadas ao evento traumático como mecanismo de defesa;
  • Concussão (agitação violenta da cabeça) ou trauma craniano: mesmo sem penetração no crânio, uma concussão pode interromper temporariamente a função normal do cérebro, ocorre o cisalhamento dos neurônios, resultando em amnésia.

A especialista, porém, alerta para a gravidade em casos com penetração de projéteis. “Podem causar danos mais significativos ao tecido cerebral. Isso pode resultar em uma amnésia mais acentuada ou prolongada, dependendo da extensão da lesão e das áreas do cérebro afetadas”, finalizou.

Tiroteio

De acordo com o boletim de ocorrência, uma equipe policial recebeu a informação de que um motociclista armado estava indo de São Vicente para Santos pelo Caminho da Divisa no domingo (11). Por isso, dois policiais foram ao endereço tentar abordar o homem.

Os agentes estavam em motos quando foram surpreendidos por um trio que efetuou diversos disparos na direção deles. Sendo assim, a dupla se abrigou, solicitou apoio e também começou a atirar contra os suspeitos, que fugiram com a chegada dos reforços.

Após o fim do tiroteio, a população informou os policiais que uma pessoa inocente acabou atingida. Os agentes foram até o hospital, mas não conseguiram colher o depoimento de João porque ele estava sendo atendida.

Os suspeitos não foram encontrados e o caso foi registrado como lesão corporal decorrente de intervenção policial e tentativa de homicídio na Central de Polícia Judiciária (CPJ) de Santos, que requisitou perícia.

João foi levado de carro até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Zona Noroeste e, em seguida, transferido para a Santa Casa de Santos, onde passou por uma tomografia. O paciente foi encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde permaneceu até receber alta para o quarto na terça-feira (13).