Justiça de SP suspende votação da privatização da Sabesp; cabe recurso
A Justiça de São Paulo (TJSP) anulou nesta sexta-feira (3) a votação do projeto de lei que privatizou a Sabesp na capital, realizada na Câmara Municipal na quinta-feira (2). O texto recebeu 37 votos favoráveis e 17 contrários. O projeto foi sancionado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil), declarou que vai recorrer da decisão liminar, da juíza Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara de Fazenda Pública.
A magistrada considera que houve irregularidades no processo, como o g1 antecipou. Segundo Toyoshima, a segunda e última votação só poderia ocorrer “após a realização de todas as audiências públicas, bem como estudos necessários”, conforme decisão publicada em 24 de abril.
A Câmara diz que realizou todas as audiências e apresentou os estudos. Para a presidência da Casa, a lei aprovada tem que ser questionada por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (leia mais abaixo).
Para Renato Fernandes de Castro, sócio da Área Regulatória e Infraestrutura da Almeida Prado & Hoffmann, “a decisão judicial precisa ser cumprida de forma imediata, portanto, os efeitos da votação realizada na data de ontem pela Câmara Municipal de São Paulo ficam suspensos, assim como a aprovação da privatização da Sabesp. Sendo assim, a menos que a Prefeitura de São Paulo, por meio de recurso judicial, consiga ‘derrubar’ a decisão judicial exarada na data de hoje, esta deverá ser cumprida”.
Ao g1, o presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil), afirmou que “a lei não pode ser anulada, mas, mesmo assim, a gente vai respeitar a decisão. Vamos esclarecer isso para a meritíssima e vamos ao presidente do Tribunal de Justiça”.
Marcos Meira, presidente da Comissão Especial de Direito de Infraestrutura do Conselho Federal da OAB, aponta que a Câmara Municipal “praticou ato atentatório à dignidade da justiça ao ignorar e descumprir decisão judicial prévia que suspendia o processo legislativo” referente ao projeto de lei.
O advogado afirma que, segundo o Código de Processo Civil, a Justiça pode, ainda, aplicar multa de até 20% do valor da causa em razão do descumprimento da decisão.
“O argumento do presidente da Câmara Municipal — de que a Justiça já não poderia mais decidir sobre o tema, por força da conversão do projeto de lei em lei — somente seria válido se não houvesse decisão anterior balizando as condições prévias à votação do projeto de lei”, completou Meira.
Na quinta, a juíza, inclusive, publicou uma decisão “deixando claro que não estava autorizada a realização da segunda votação”. No entendimento da magistrada, as medidas não foram cumpridas. Mesmo assim a Câmara Municipal deu sequência a votação e aprovou a privatização da companhia.
“Sendo assim, seja pelo fato de não terem sido feitas as audiências públicas necessárias, nem os estudos e laudos pertinentes, desrespeitando os princípios constitucionais que permeiam o processo legislativo, bem como por clara afronta à determinação judicial, não resta outra medida que não a suspensão dos efeitos da votação realizada na data de ontem, 02.05.2024, do Projeto de Lei nº 163/2024, bem como qualquer ato consequente posterior”, afirma a decisão.
Em nota, a presidência da Câmara Municipal reforçou que todo o rito legislativo foi legal e que os critérios da liminar foram cumpridos.
“Ou seja, a votação ocorreu após todas as audiências públicas previamente agendadas (nove) e após a apresentação do estudo de impacto orçamentário. “Não há que se falar em suspensão dos efeitos da sessão, pois a Câmara entende que não cabe interferência judicial no trâmite legislativo, muito menos em um processo legislativo já encerrado, pois o PL 163/2024 já foi sancionado pelo prefeito e já está em vigor (Lei 18.107, de 2 de maio de 2024). O instrumento legal para questionar uma lei aprovada é uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e nunca uma ação popular”, complementa.
Procurada, a Prefeitura de São Paulo disse que “defende que a vontade soberana dos vereadores expressa pela votação que aprovou por ampla maioria o projeto que autoriza a privatização da Sabesp prevaleça, visto que todos os fundamentos constitucionais foram cumpridos”.
Já a Sabesp declarou que a decisão da juíza Celina Kiyomi Toyoshima não interfere no andamento do processo de privatização.
“A decisão da Justiça Paulista sobre a votação do projeto de lei 163/2024, que autoriza o prefeito de São Paulo a assinar um novo contrato de concessão da Sabesp, diz respeito a uma ação movida por vereadores contra a Câmara Municipal. Esta decisão não interfere no andamento do processo de desestatização, que é conduzido pelo Governo do Estado. O Governo de São Paulo reitera que a privatização vai garantir água limpa e esgoto coletado e tratado mais barato, mais rápido, para todos e melhor”.
Queixa-crime
O arquiteto e ex-vereador Nabil Bonduki e o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema) entraram nesta sexta com uma queixa-crime contra a Câmara Municipal.
A queixa-crime aponta que o estudo de impacto orçamentário, elaborado pela gestão municipal, não esclarece os questionamentos do judiciário nem informa a metodologia aplicada.
“O documento lá anexado limita-se a uma satisfação formal da decisão liminar, sem qualquer concretude ou efeito ao bem jurídico tutelado pela mesma, haja vista não constar informações básicas acerca da magnitude do projeto, tampouco as consequências que este trará ao Munícipio de São Paulo, de modo que definitivamente não satisfaz a obrigação imposta”.
Também é solicitada abertura de investigação criminal para apuração dos fatos e oitiva dos responsáveis pelo descumprimento da ordem judicial.
Imbróglio jurídico
A ação foi movida pelas bancadas do PT e do PSOL. A Defensoria e o MP se manifestaram favoravelmente no processo.
A decisão da juíza Celina Kiyomi Toyoshima condicionava a realização da segunda votação à realização “de todas as audiências públicas já agendadas e de outras, se forem necessárias, submetendo a todos os interessados acesso amplo ao projeto substitutivo, suas informações e o devido estudo de impacto Orçamentário”.
Segundo a Câmara Municipal, o laudo de impacto orçamentário – de quatro páginas – foi enviado pelo secretário da Casa Civil, Fabrício Cobra Arbex, ao presidente da Casa, na última sexta-feira (26), e peticionado no processo. Também diz que todas as audiências foram realizadas.
Presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União Brasil) — Foto: Estadão Conteúdo/Bruno Escolastico
Para a Defensoria Pública, a tutela de urgência foi descumprida, já que não houve ampla participação pública nas audiências.
“Resta claro que o mecanismo participativo de audiência pública, da forma como foi oferecido, foi completamente insuficiente para problematizar o debate social apresentado: o modo com que foi realizado foi restritivo em acesso, limitado no acesso a informações, sem apresentação de estudos orçamentários, indicando que não passou de mera formalidade para aprovação de um projeto de lei polêmico, sem a devida participação popular.”
“Portanto, entende-se que a tutela de urgência emanada por este Juízo foi descumprida, reiterando-se o pedido de impedimento de qualquer votação do Projeto de Lei, até que sejam apresentados estudos de impacto orçamentário, oferecendo-se todas as informações necessárias de forma acessível e com antecedência da realização da audiência pública”, diz manifestação da Defensoria.
No fim da tarde, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) se manifestou dizendo que a decisão do TJSP significava que a votação do projeto estava suspensa até a apresentação do laudo de estudo de impacto orçamentário.
Para o órgão, a implementação da privatização de forma apressada “sem maiores estudos e análises pode vir de encontro ao interesse público, porquanto tal proposta de lei pode, em tese, causar lesão ao erário, além de não assegurar à coletividade o direito ao controle social sobre a questão”.
O MP-SP também solicitou ao Judiciário que determine a intimação do executivo no prazo de 48 horas para prestar “esclarecimentos técnicos sobre o estudo de impacto orçamentário relacionado ao Projeto de Lei nº 163/2024 e seu substitutivo, demonstre que foram prestadas as informações ao TCM – Tribunal de Contas do Município”.
Votação
Manifestantes acompanham sessão de votação da privatização da Sabesp na Câmara Municipal de SP — Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
O texto recebeu 37 votos favoráveis e 17 contrários. Para ser aprovado, o PL precisava de maioria simples dos votos dos presentes.
A sessão plenária foi marcada por manifestações contrárias e a favor da privatização na galeria.
Sob gritos de “democracia”, pelo menos dois manifestantes contra o projeto foram retirados da galeria pela Guarda Civil Municipal após o presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil), se irritar com as palavras de ordem que eram gritadas durante o discurso do vereador Rubinho Nunes (União Brasil).
Na primeira votação, em 17 de abril, a privatização foi aprovada pelo placar de 36 votos favoráveis e 18 contrários.
O texto precisou passar pela Câmara porque contém mudanças na lei municipal para permitir que a capital, a principal cliente da Sabesp, mantenha o contrato de fornecimento com a empresa mesmo depois da venda.
O projeto de lei já passou pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo,em dezembro de 2023, quando foi aprovado pelos deputados estaduais. Também foi sancionado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Como votaram os deputados
Vereadores que votaram a favor da privatização da Sabesp na capital paulista. — Foto: Montagem/g1/Rede Câmara
Enquanto os vereadores da oposição, PT, PSOL, PSB e PV, foram contrários ao projeto de lei. Adilson Amadeu (União Brasil) foi o único que não participou da votação.
Votaram SIM
- Atílio Francisco (Republicanos)
- Aurélio Nomura (PSD)
- Carlos Bezerra Júnior (PSD)
- Coronel Salles (PSD)
- Cris Monteiro (Novo)
- Danilo do Posto (Podemos)
- Dr. Milton Ferreira (Podemos)
- Dr. Nunes Peixeiro (MDB)
- Dra. Sandra Tadeu (PL)
- Edir Salles (PSD)
- Eli Corrêa (União Brasil)
- Ely Teruel (MDB)
- Fábio Riva (MDB)
- Fernando Holiday (PL)
- George Hato (MDB)
- Gilberto Nascimento (PL)
- Gilson Barreto (MDB)
- Isac Felix (PL)
- Janaína Lima (PP)
- João Jorge (MDB)
- Jorge Wilson Filho (Republicanos)
- Major Palumbo (PP)
- Marcelo Messias (MDB)
- Marlon Luz (MDB)
- Milton Leite (União Brasil)
- Paulo Frange (MDB)
- Ricardo Teixeira (União Brasil)
- Rinaldi Digilio (União Brasil)
- Rodrigo Goulart (PSD)
- Rubinho Nunes (União Brasil)
- Rute Costa (PL)
- Sandra Santana (MDB)
- Sansão Pereira (Republicanos)
- Sidney Cruz (MDB)
- Sonaira Fernandes (PL)
- Thammy Miranda (PSD)
- Xexéu Tripoli (União Brasil)
Votaram NÃO
- Alessandro Guedes (PT)
- Arselino Tatto (PT)
- Celso Giannazi (PSOL)
- Dr. Adriano Santos (PT)
- Elaine do Quilombo Periférico (PSOL)
- Eliseu Gabriel (PSB)
- Hélio Rodrigues (PT)
- Jair Tatto (PT)
- João Ananias (PT)
- Jussara Basso (PSB)
- Luana Alves (PSOL)
- Luna Zarattini (PT)
- Manoel Del Rio (PT)
- Toninho Vespoli (PSOL)
- Roberto Tripoli (PV)
- Senival Moura (PT)
- Silvia da Bancada Feminista (PSOL)
Fonte: G1
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